Como a tecnologia está mudando a vida de pessoas com deficiência no Brasil

De acordo com dados do IBGE, mais de 6% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. No mundo, são cerca de 1 bilhão de pessoas, segundo a ONU. Este grupo, de pessoas com ausência ou dificuldades na visão, audição e locomoção, fala ou intelectual são, ainda hoje, um dos grupos populacionais mais marginalizados do planeta.

Mas a tecnologia tem o poder de, na maioria dos casos, devolver parte da qualidade de vida destas pessoas, que necessitam ser reintegradas na sociedade. No Brasil, instituições como a Vox Capital, primeira empresa de investimentos de impacto do País e a Artemísia, organização sem fins lucrativos de fomento a negócios sociais, investem em soluções tecnológicas assistivas e de educação que ajudam a mudar a vida de muitas pessoas ao redor do mundo e, consequentemente, o ecossistema de startups do Brasil.

“Nós acreditamos que negócios promovem transformação social positiva e nós, na Vox Capital, só investimos em startups que geram esta transformação para a população. Investimos em três áreas principais: saúde, educação e serviços financeiros, sendo que saúde representa mais de 50% dos nossos investimentos”, explica Erik Cavalcante, da Vox Capital.

No portfólio da Artemisia estão empresas como a Incluir Tecnologia, cujo objetivo é tornar a comunidade surda mais independente na sociedade atual e a HandTalk, que oferece tradução digital para acessibilidade em Libras, a Língua Brasileira de Sinais, e já foi eleita pela ONU como o melhor app social do mundo. Para falar sobre este mercado, o Startupi foi atrás de algumas das startups que estão mudando a vida de pessoas com deficiências, como autismo, cegueira e cadeirantes, através da tecnologia. Confira:

Autismo

O Autismo atinge cerca de um a cada 68 indivíduos, de acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Alguns estudos recentes têm demonstrado que os fatores genéticos são os mais importantes na determinação das causas e origens do Autismo. Embora alguns outros fatores como bebês prematuros, infecções virais, entre outros também estejam associados ao risco para o desenvolvimento do TEA, hoje já se sabe que o risco é majoritariamente genético.

Uma das 12 principais empresas do segmento de saúde e bem-estar do ranking 100 Startups to Watch, a Tismoo é um laboratório de biotecnologia pioneiro no mundo exclusivamente dedicado à medicina personalizada com foco no Autismo. "Nosso projeto começou a ser desenhado, modelado e planejado em 2013. Porém, a empresa só foi aberta em 2015 e abriu definitivamente as portas para o público em março de 2016", explica Gian Franco Rocchiccioli, cofundador da startup.

A missão da Tismoo é construir uma nova abordagem de medicina especializada. Para isso, o primeiro passo desse projeto é  um Laboratório de Genômica especializado em Autismo e transtornos neurológicos relacionados. Nessa operação, a empresa oferece três possibilidades diferentes de sequenciamento genético de última geração (NGS – Next generetion Sequencing):

  • T-Array - O array genômico detecta deleções e duplicações cromossômicas. A realização do sequenciamento de exoma/genoma não excluem os achados de array sendo exames genéticos complementares.
  • T-Exom - Sequenciamento do exoma, também chamado de WES (Whole Exome Sequencing), é o sequenciamento apenas dos éxons, regiões que correspondem de 1-2% do genoma completo. Atualmente, 85% destas regiões estão relacionadas as condições de saúde alteradas.
  • T-Gen - Sequenciamento do genoma completo ou WGS (Whole Genome Sequencing) com cobertura dos dados de 60x. Este sequenciamento permite a leitura de todo o DNA, sendo possível determinar os éxons (regiões que dão origem as proteínas e outras moléculas responsáveis pelo funcionamento do organismo) e as regiões intergênicas do DNA.

"O objetivo do Tismoo24/7 é disponibilizar um update atualizado e correlacionar esses achados ao perfil específico de cada paciente de uma maneira simples e planejada. Este é um recurso importante porque garante uma atualização contínua para médicos e pacientes, reconhecendo o fato de que uma informação genética aparentemente sem significados relevantes hoje, pode ser a chave para um tratamento mais eficaz amanhã", diz Gian.

[caption id="attachment_104994" align="aligncenter" width="800"] Os fundadores Carlos Gadia, Marco Antonio Innocenti, Alysson Muotri, Graciela Pignatari, Patrícia Beltrão Braga, Roberto Herai e Gian Franco Rocchiccioli. Foto: Lu Carmada[/caption]

O cofundador diz que como o autismo é um transtorno de risco majoritariamente genético, complexo e multifatorial (envolve múltiplos genes), hoje em dia as famílias impactadas pelo Autismo (e outros transtornos neurológicos de origem genética) podem levar até 10 anos para apenas diagnosticar seus filhos. E mesmo após o diagnóstico, são muitas as dúvidas e angústias a respeito de como cuidar e tratar dessas crianças. "Nosso foco nesta questão está em, através da combinação ciência e tecnologia, melhorar e acelerar as inovações a fim de ajudar as milhares de famílias impactadas pelo Autismo (e outros transtornos neurológicos de origem genética) espalhadas pelo mundo a diagnosticar, cuidar e tratar de seus filhos de uma maneira cada vez mais rápida, mais eficiente e menos dolorida", explica.

Hoje mais de 100 famílias já são atendidas pelas soluções da startup, que já recebeu mais de R$4 milhões em investimento-anjo e se prepara atualmente para a próxima rodada de captação de investimentos. Sobre o acesso aos serviços que melhoram a qualidade de vida das famílias com membros com transtornos neurológicos, Gian Franco diz que "temos muito a evoluir principalmente no que diz respeito ao desafio de entregar serviços de alta complexidade tecnológica como os que a Tismoo oferece à população de baixa renda. Nós, na Tismoo, temos uma preocupação constante em como viabilizar essa equação. Mas vamos conseguir", completa.

Visão

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, a deficiência visual foi a mais representativa na população brasileira com algum tipo de deficiência, representando quase 4% da população brasileira. Para estas pessoas, atividades básicas do dia a dia, como pegar um ônibus, são infinitamente mais complicadas. Para ajudar a descomplicar um pouco esta situação, nasceu a ViiSolutions.

A empresa nasceu em 2015, como vencedor do Desafio Cisco de Inovação Urbana, que visa melhorar a qualidade de vida na cidade do Rio de Janeiro. O primeiro produto da empresa, o ViiBus (sigla para “Visually Impaired Intelligente Bus Stop”, ou “Ponto de Ônibus Inteligente para Deficientes Visuais”), é um sistema de comunicação inteligente para pessoas com deficiência visual em pontos de ônibus. Em 2016, foi considerado um dos 500 projetos mais inovativos do mundo pelo desafio Hello Tomorrow da França. Atualmente, protótipos do sistema da empresa estão instalados no Cisco Demo Center, e o objetivo é que, com investimento, os aparelhos sejam distribuídos por pontos de ônibus além do Porto Maravilha, onde estão atualmente.

"Atualmente também estamos trabalhando em um segundo produto, o ViiRotas, que é um aplicativo de smartphones para guiar o usuário em rotas acessíveis dentro de estabelecimentos", explica Douglas Toledo, CEO da startup. O ViiBus funciona assim: O usuário com cegueira ou baixa visão escolhe uma ou mais linhas de ônibus após ler as transcrições no painel Braille e, quando o ônibus estiver chegando, o motorista receberá uma notificação sonora e visual de parada. Uma mensagem de voz avisa a chegada do ônibus e o usuário é guiado até o veículo correto com o som da linha. "Estamos estudando uma sinergia dos dados com um aplicativo de celular, trazendo a usabilidade do painel para a palma da mão do usuário", diz Douglas. A usabilidade do aplicativo ViiRotas ainda está em fase de pesquisa através do PIPE - Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas da FAPESP - Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo.

O CEO explica que desde o início do desenvolvimento dos equipamentos ViiBus, a interação e participação de pessoas deficientes visuais foi fundamental. "Hoje o painel do ViiBus utiliza o sistema Braille, notificações sonoras e alto contraste para facilitar a leitura de pessoas com baixa visão ou com cegueira. Essas características foram modificadas depois de fazermos pesquisas com deficientes visuais, como focus group, pesquisa quantitativa e teste de usabilidade com protótipo do painel. Também conversamos com potenciais clientes, prefeituras e empresas de ônibus."

Para Douglas, a maior dificuldade dos usuários da startup é a falta de acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência visual na sociedade. "Hoje quando as pessoas pensam em deficiência, a primeira coisa que vem em mente, é o cadeirante, provavelmente porque o símbolo utilizado na sinalização é exatamente de um cadeirante. Percebo que esse tipo de pensamento é comum em empresas de transporte, ônibus, prefeituras etc.; o que acaba diminuindo a visibilidade e oportunidades de implementar projetos acessíveis para todos os públicos, já que acessibilidade não se resume a rampas em calçadas e estabelecimentos."

Entre os maiores desafios de empreender com acessibilidade hoje, para o CEO, está a infraestrutura urbana, que na maioria das vezes não integra as soluções tecnológicas atuais, fazendo com que os projetos sejam criados do zero. "Outro desafio é a dificuldade de conseguir incentivos de instituições publicas e privadas em financiar projetos acessíveis, já que o retorno financeiro dos mesmos em sua maioria é baixo", explica.

Além da falta de visibilidade dos projetos de inclusão, Douglas cita outras barreiras encontradas pelos empreendedores neste setor: devido a poucas oportunidades de trabalho e a baixa condições financeiras, as pessoas com deficiência enfrentam dificuldades para adquirir esses produtos. Os serviços para esse público deveriam ser o mais simples e útil possível, trazendo preços baixos e produtos de prateleira. "Hoje não vemos isso acontecendo, acreditamos que isso ocorre devido a poucas opções de tecnologias nacionais e alto custos de importação de produtos", diz.

A falta de integração de produtos também é uma barreira na visão da startup. "Atualmente vemos muitas notícias e projetos sobre bengalas e óculos inteligentes sendo desenvolvidos, pois são as primeiras coisas que vem em mente quando imagina-se uma pessoa com deficiência visual. A rotina diária dessas pessoas vão muito além de problemas em andar na calçada ou atravessar uma rua, é a falta dessa visão e desenvolvimento em conjunto de produtos para resolver problemas rotineiros na vidas de pessoas com deficiência que sentimos falta hoje em dia", completa.

Autonomia

Segundo dados do World Report on Disability 2010 e do Vision 2020, a cada 5 segundos, 1 pessoa se torna cega no mundo. Do total de casos de cegueira, 90% ocorrem nos países emergentes e subdesenvolvidos. Os estudos estimam que até 2020, o número de pessoas com deficiência visual pode dobrar ao redor do mundo. No Brasil, 6,6% das pessoas com deficiência visual faziam uso de algum recurso para auxiliar a locomoção, como bengala articulada ou cão-guia, diz o IBGE.

Mas uma bengala comum muitas vezes não resolve todos os problemas. Como avisar ao cego que há um obstáculo acima da linha de alcance da bengala, como um toldo ou um orelhão, por exemplo? Para isso amenizar esta dor, surgiu a um ano a BengalaIoT, projeto open source criado pelo cofundador da Sintesoft, Rodrigo Ferraz Azevedo, mais 3 amigos desenvolvedores com o objetivo de criar um dispositivo assistivo para auxílio no deslocamento de deficientes visuais. Atualmente o projeto é mantido pela Sintesoft, startup com foco em IoT fundada em 2009, em parceria com a UFSCar Sorocaba.

O produto é uma bengala eletrônica baseada no chip Qualcomm Snapdragom, amplamente utilizado em celulares, e utiliza diversos sensores, além de conexão wi-fi, bluetooth, GPS, mas principalmente sensores de proximidade para detecção de objetos e auxílio no deslocamento de deficientes visuais. "Nós estamos construindo uma plataforma para ser embarcada em vários dispositivos além da bengala, como andadores, por exemplo, e permitir aplicativos por comandos de voz, além do foco principal do protótipo que é o deslocamento, como consulta de horários de ônibus e interação com dispositivos de cidades inteligentes, como semáforos inteligentes que permitirão aos nossos dispositivos avisar ao deficiente visual o momento de parada por estar com sinal vermelho ou quando pode atravessar a rua com sinal verde, por exemplo", explica Rodrigo.

Ele diz que desde o primeiro dia de criação do projeto, o processo incluiu especialistas na área de acessibilidade e deficientes visuais que testaram os protótipos e auxiliam na evolução. "Nós também participamos de diversos eventos, onde encontramos deficientes visuais, incluindo cuidadores e familiares, além de responsáveis por associações de auxílio que criticaram e nos deram a direção para a evolução do protótipo."

Para Rodrigo, as maiores dificuldades para a criação de projetos de acessibilidade por startups são adaptar os protótipos aos problemas estruturais das cidades, como calçadas defeituosas, tampas de bueiros ausentes, "entre outros problemas que seriam considerados absurdos se a acessibilidade fosse observada por nossos governantes", diz.

Cadeira de Rodas

Ainda de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, 1,3% da população do Brasil declarou possuir deficiência física. Destas pessoas, quase 47% possui grau intenso ou muito intenso de limitações. Para muitas dessas, a cadeira de rodas é o meio mais importante de locomoção e independência.

Uma das startups brasileiras que trabalha para melhorar a qualidade de vida deste público é a Guia de Rodas, que começou suas atividades em fevereiro de 2016. A startup atua através do app GuiaDeRodas, disponível de forma gratuita para iOS e Android. O app, que tem abrangência mundial, se destina a avaliação e consulta da acessibilidade de locais para pessoas com dificuldade de locomoção e foi vencedor mundial do WSA (organizado pela cúpula das Nações Unidas) em 2017 como melhor solução móvel inclusiva do mundo. "Com as empresas, atuamos através de serviços para melhorar a experiência de pessoas com deficiência ou restrição de mobilidade", explica Bruno Mahfuz, diretor-fundador da startup.

A pessoa com dificuldade de locomoção quando vai a um destino desconhecido, não sabe se ela vai conseguir entrar, circular, fazer uso do banheiro, além de outras coisas básicas que, para quem não precisa de uma cadeira de rodas para se locomover, parecem óbvias. "O app descentraliza as informações sobre as condições de acesso das mãos dos proprietários dos estabelecimentos e as dispõe de acordo com a perspectiva do usuário. Pessoas com e sem deficiência podem colaborar provendo informações para que todos possam escolher seus destinos com mais conforto e segurança", diz Bruno.

A necessidade de criar a empresa nasceu do próprio fundador, que sofreu um acidente em 2001 e, desde então faz uso de cadeira de rodas. Desde então, a empresa não recebeu aporte, e é mantida por recursos próprios de seus idealizadores. Para monetizar o serviço, a startup presta serviço de qualificação para acessibilidade para empresas que queiram melhorar este aspecto em seus estabelecimentos. Engenheiros e pessoas com necessidades especiais oferecem uma espécie de "consultoria" para melhorar a experiência dos cadeirantes nas empresas contratantes. Entre os apoiadores da startup estão Microsoft, AACD, Porto Seguro, Grupo Kallas, entre outros.

Para Bruno, o principal desafio hoje para a startup é encontrar interlocutores dentro das empresas que estejam alinhados com a visão de que a acessibilidade pode ser vista como um diferencial estratégico, e não simplesmente como uma questão burocrática obrigatória. "Penso que há simplesmente tudo por fazer (para facilitar o acesso aos deficientes). Mas vejo a questão com otimismo, pois atualmente se fala no tema como nunca. Tem muita gente olhando para estas questões com cuidado e competência e a sociedade parece estar mais sensível à importância do tema", finaliza o empreendedor.

Estas são algumas das startups que mostram que hoje, a tecnologia e os métodos desenvolvidos pelos empreendedores brasileiros têm, sim, capacidade de mudar a vida de milhões de pessoas para tornar o mundo cada vez mais conectado, acessível e digno a todos. Conhece outras iniciativas? Deixe abaixo nos comentários.

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