Lições que aprendi com o comércio eletrônico chinês

*Por Eduardo L'Hotellier

Viajar é sempre uma oportunidade para colocar ideias em ordem, rever estratégias e buscar inspiração. Isso mesmo que seja a trabalho. No meu caso, que não tenho muito tempo disponível para fazer viagens longas, aproveitei uma oportunidade do grupo Monashees para visitar a China com o GetNinjas, junto com outros empreendedores brasileiros, e aprender um pouco mais sobre a cultura e modelo de negócio das empresas chinesas.

Durante a semana em que estive no país, pude absorver todo aquele espírito empreendedor e de alta produtividade. Ao visitar sedes de empresas como Alibaba (o gigante das compras online), JD.com (o equivalente à Amazon na China) e Baidu (a gigante das buscas online), vi porquê o mercado chinês evolui com tamanha agilidade e movimenta economia em outros países altamente desenvolvidos.

Na China, os empresários levam muito a sério empreender e crescer rápido, seja qual for o segmento de indústria. Para essas empresas, vale principalmente o poder de se posicionar sempre à frente quando o assunto é expansão dos negócios, mesmo que para isso seja preciso se reinventar no mercado e tentar estratégias ousadas.

Recentemente, em outubro de 2016, a gigante WalMart investiu em mais um aporte no segundo maior varejista online da China, a JD.com. O valor investido, quase o dobro do anterior, mostra que o gigante global está buscando navegar pelo mercado chinês e aumentar sua participação. Mas nem sempre foi assim.

Pelos anos de 2000 não havia grandes players de varejo físico no país, como o WalMart nos Estados Unidos. Esse cenário favoreceu o desenvolvimento do e-commerce na China a ponto de conseguirem LeapFrogging a consolidação do varejo físico, saindo da fase de pequenas lojas familiares para evoluir a grandes players online. Isso tudo sem passar por todas as fases em que enfrentam os grandes players off-line.

Esse efeito LeapFrogging é comum quando há um atraso muito grande em relação à um hábito, tecnologia ou economia e surge uma nova. Quem ficou para trás, como no caso da China, se beneficia muito, porque pode pular barreiras e evitar empecilhos que outros enfrentaram anteriormente.

Um exemplo que conheci por lá foi o da JD.com, que deu uma volta por cima dos concorrentes e construiu suas próprias ferrovias para poder escoar os itens produzidos e vendidos em regiões mais afastadas em todo o país. Isso ajudou a expandir a oferta aos consumidores que antes não tinham a possibilidade de fazer compras online, devido às dificuldades na entrega do produto.

Como declarou o CEO e fundador da JD.com Richard Liu, em entrevista à Bloomberg, “ao copiar modelos de negócios de outras empresas você está condenado ao fracasso”. Segundo o site South China Morning Post, a analista sênior da empresa de pesquisa Forrest Vanessa Zeng chegou a declarar que a dura experiência empreendedora de Liu pode ter feito dele um executivo destemido.

A iniciativa permitiu à JD ganhar um novo mercado, que logo despertou o interesse de concorrentes diretos. O principal deles, o Alibaba, que antes focava na exportação de produtos, investiu na mesma estratégia para garantir uma fatia no mercado local. A manobra do Alibaba garantiu à empresa conquistar um ano depois, em 2014, 70 mil comércios locais vendendo seus produtos, o que permitiu criar mais de 280 mil empregos diretos no país.

Isso tudo mostra que ousadia nos negócios é uma característica forte no mercado chinês. Os executivos estão sempre buscando formas de se conquistar algo novo. Para os empresários do país, proteger o mercado local também é uma busca constante para se manter à frente do mercado nacional, o que os ajudam a garantir a concorrência interna de igual para igual.

Para dar uma força às empresas locais, o governo criou ainda o que eles denominam o Great Friewall of China, que nada mais é do que uma barreira ao comércio eletrônico internacional. Isso impede que grandes sites internacionais concorram com nacionais desproporcionalmente. A estratégia chinesa ajuda a garantir que players locais como Baidu – e seus inúmeros serviços - se mantenham na liderança de mercado, enquanto é praticamente impossível acessar sites ou serviços globais, como Google, Facebook, WhatsApp e outros.

A forma como o mercado chinês se fecha para fortalecer a produção e negócios locais impacta em todas as frentes e é visto por todos os lados. Desde a produção até a distribuição, o que inclui também as formas de pagamento. Hoje, na China já é possível fazer pagamento de qualquer tipo de produto ou serviço usando o WeChat Pay, recurso de pagamento do aplicativo de mensagens instantâneas mais usado no país.

Na hora de vender os produtos, os chineses inovam ainda mais. Após uma verificada rápida pelos principais sites do país é possível constatar que as UIs, ou interfaces de usuários, são muito mais visuais do que as brasileiras. Alguns tentam justificar isso ao fato da grafia chinesa ser diferente - é necessária uma quantidade menor de palavras para se escrever a mesma frase em português.

Isso tudo explica um pouco do porquê as ideias evoluem tão rápido por lá e são exportadas massivamente em forma de produtos, soluções e negócios para países altamente desenvolvidos. Estima-se que até 2020 o mercado chinês chegue a valer mais do que os mercados dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Alemanha e França juntos, segundo estudos da empresa Adyen.

Como em todo mercado, a China tem seus pontos fortes e fracos. O que vi por lá me impactou positivamente, mas notei também que para manter esse nível de produtividade altíssimo é preciso longas horas de trabalho. No país, a jornada diária estipulada é a mesma do Brasil, de 44 horas semanais, mas depende do contrato de trabalho, que geralmente pode ir além de 11 horas diárias, seis dias por semana, segundo confirma o site do TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Da China, fica a lição de que, para empreender, é preciso estar preparado para criar pontes, derrubar barreiras, explorar novas fronteiras e proteger o seu negócio. Por mais que a trajetória seja árdua, exija longas horas diárias de trabalho, no final isso tudo sempre vale muito a pena. Do nosso lado, de que trabalha no estilo brasileiro, temos formas mais criativas de incentivar o bom rendimento da equipe, com ações mais motivadoras do que as chinesas.


20150917-getninjas-baixa-05Eduardo L’Hotellier é CEO e fundador da GetNinjas, uma plataforma que conecta clientes a prestadores de serviços com mais de 130 mil profissionais cadastrados em mais de 100 categorias em todo o Brasil. A empresa já captou mais de R$ 47 milhões de investimento da Monashees Capital, Kaszek Ventures e Tiger Global desde seu início, em 2011.

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