Eu tenho uma ética de trabalho peculiar.
Nos dois últimos anos, tenho dedicado tempo, energia e prática ao exercício de liderança — a criação de uma visão compartilhada, um ponto de vista sobre o design e os problemas, além da importante tarefa de olhar para as pessoas.
Leio posts no Medium, livros e converso. Liderança em design é um tópico quente nas comunidades da profissão e nosso país e fora dele, protagonizando cursos, debates acalorados e recomendações em livros na Amazon. O assunto é bom, e quanto mais me adentro mais me incomodo. Falta um tempero que realmente deixe o prato cheio que é liderar equipes com o sabor da minha ética pessoal.
Trabalho é trabalho. Ponto.
É bom ler sobre Design Ops e como eles dão o apoio à equipe. É excelente ver como ferramentas como Google Drive, Figma, Slack e Miro permitem sim um trabalho descentralizado ou remoto. Ainda assim, da minha experiência, apenas uma coisa permanece de pé:
A única maneira de resolver o trabalho é trabalhando.
As iniciativas de otimização do trabalho são excelentes e necessárias. Ainda assim, sinto-as em sua infância, mais instrumentais do que intelectuais. Nada, até o momento, substitui três preceitos fortes que carrego comigo.
- O trabalho não desaparece. Nenhum assunto não resolvido deixa magicamente de existir ou de ser um impeditivo. Uma tarefa que estava com alguém da sua equipe não deixou de acontecer — ou de não acontecer — porque você deixa de perguntar dela. Como metalinguagem, parte do trabalho é persegui-lo até seus últimos instantes.
- Preciosismo não é seu trabalho. Eu já tentei ser extremamente cuidadoso pelo bem da experiência do usuário — tendo um processo mais ao pé da letra, mais de acordo com o livro, que mais impressionasse o stakeholder com um coelho tirado da cartola. O mundo real tem baixa tolerância por mágicos de salão, e há boas chances de você angariar mais olhos revirados que aliados em seu caminho quando advoga pela pureza de um design que não é fim, mas sim instrumento.
- Trabalho é arregaçar as mangas e focar no que gera valor. E vai dar trabalho. Fazer o processo todo, pesquisar, registrar em personas e jornadas, prototipar — é por isso que eu vim para cá e por isso que muitos provavelmente foram atrás da profissão. Entretanto, conforme design sobe em importância nas cadeias corporativas, a operação fica mais complexa e a resposta tem que ser cada vez mais acionável, mais direta e mais aberta ao input do stakeholder que está na outra ponta.
Não me lembro de um cliente virar para mim, quando eu tinha uma boa recomendação, e dizer, "eu precisava que tivesse me entregado mais duas personas!" ou "o sistema precisava de um campo de busca". Ninguém gastou tempo me dizendo que precisava de mais três telas de wireframe.
Quando a discussão desce para esse nível é sintomático de que perdemos o foco do trabalho e não entregamos o valor esperado, que vem de uma atenção radical ao objeto, e não da sucessão de fórmulas prontas. Para chegar a esse foco e a esse resultado — nos famigerados "10 slides para o Board" — teremos que trabalhar mais arduamente.
Isso significa também outra coisa — a necessidade de uma condição de trabalho intelectual que nos ajude a centralizar e discernir o que é, de fato, trabalho de todos os detritos que, como seres humanos, adoramos colocar no caminho. Mas esse já é assunto para outro post.
Alguém tem que falar as coisas difíceis. Provavelmente você.
Não gosto da ideia de ser uma daquelas pessoas que vocifera com a equipe a cada acontecimento. Muito menos consigo me imaginar como uma pessoa que sente prazer no "eu avisei, não avisei?" ou de aproveitar um schadenfreude clínico com algum colega que está tendo de refazer um projeto por não ter dado ouvidos ao conselho.
Apesar disso, não há como negar que trabalhar significa, mais cedo ou mais tarde, falar de coisas difíceis.
O livro Radical Candor é cheio de boas colocações sobre o assunto, muitas das quais passei a adotar — comentários específicos, focados no comportamento do momento, explicando o impacto daquele comportamento — e muito longe da abordagem sanduíche.
São muitas as coisas difíceis, desde lidar com atrasos recorrentes, má organização, postura equivocada e até o irreparável, que pode levar a um desligamento. Há muitas questões atitudinais que podem ser explicadas com um simples toque — por exemplo, ser claro no assunto dos e-mails — e outras que podem ser sessões e mais sessões — como se posicionar em uma grande apresentação ou como de fato trabalhar em equipe.
Acho que um dos piores assuntos e sobre os quais se fala muito pouco é sobre não ser o suficiente. Quando um cliente ou stakeholder coloca um problema para que o solucionemos, ele deposita em nós um compromisso de solução. Há vezes em que a alcançamos sem esforço — em geral, quando ela está dentro da nossa esfera de competência comum. Porém há vezes que dias longos de trabalho e até noites não chegam ao resultado necessário.
Você já deve ter sido abordado por um cliente ou stakeholder com esperanças infundadas ou irreais. Este é um caso possível. Em geral, um bom trabalho localiza o real objetivo da demanda o mais cedo possível e, por meio de um diálogo condutivo, rapidamente transforma o fazer. Nestes casos, mesmo com o desvio da rota original, o cliente fica satisfeito, porque enxerga o valor.
O outro caso é o insucesso do design mesmo. Ele existe. E aqui, precisamos ter a humildade de entender que ainda não chegamos lá — como líderes, designers, profissionais. Cabe um exercício duplo — obviamente de resiliência, mas principalmente de falarmos e ouvirmos abertamente sobre o que aconteceu.
Más notícias, chefinho — é você quem precisa ter essa conversa.
Existe uma armadilha nesse aspecto. Se nos sentarmos para falar de um fracasso, naturalmente falaremos de como nos sentimos a respeito daquilo. Não há como fugirmos disso, e é extremamente válido e pertinente — só não é suficiente. Para realmente sairmos da vala, precisamos falar novamente sobre o objetivo do trabalho e operar em cima das lacunas que nos impediram de alcançar o resultado. Em outras palavras, ser humano e acolhedor, mas não tanto a ponto de deixar de lado os fatos.
A sua demora custa aos outros.
Another day, another dollar.
Evidentemente atrasos em projetos custam para a empresa — ou diretamente como prejuízo, ou como receita que se deixa de realizar. Há, além disso, outra maneira de custar à empresa ou equipe.
Eu já trabalhei com estagiários realmente brilhantes. O comodismo faria com que duvidássemos do compromisso e intelecto de Geração Z e depois deles, mas a verdade é que temos muita gente sensacional entrando no mercado, e esses em questão eram exemplares.
Contratei outro estagiário, que recebeu o mesmo nível de atenção e a mesma infraestrutura que eles. Apesar disso, não tinha o mesmo desempenho, mesmo já tendo mais experiência.
Não vim aqui discorrer sobre as causas de alta ou baixa performance. Acontece que ficou evidente com pouco tempo de que não se tratavam de pessoas com o mesmo potencial realizado, e cada dia, cada semana em que uma decisão real não era tomada mandava uma mensagem muito errada — de que todos eram exatamente vistos da mesma forma.
Por fim, o novo estagiário foi desligado e os outros dois acabaram indo para outras oportunidades.
Esse é o tipo de custo que uma demora pode ter.
Cada demora assim custa a todos um pouco, porque implanta nas pessoas uma semente de dúvida, "ele nos vê todos assim? E é isso que esperam de mim? Então por que eu estou me esforçando tanto?"
Está em voga a discussão sobre pessoas tóxicas, mas há várias coisas que precisam ser alinhadas o mais cedo possível. A baixa performance, a centralização, a falta de organização, a proatividade que em demasia pode gerar trapalhadas, a quebra de combinados…
Não demore. Falar cedo é importante, frisar a clareza e suas expectativas com as pessoas é essencial.
Nem muita, nem pouca: apenas o essencial de pressão.
Assim como com pessoas tóxicas, pressão e um consequente burnout são um assunto com presença diária na timeline do LinkedIn. Vilanesca em como é encarada hoje, a pressão é o pano de fundo do trabalho.
A empresa precisa bater meta. O projeto tem um prazo. Seu chefe tem expectativas. A concorrência tem planos em andamento e a economia está daquele jeito. Vamos parar de dourar a pílula e aceitar de uma vez que a pressão faz parte do trabalho.
Não advogo por um ambiente de alta pressão constante.
Trabalhei anos em agências de propaganda e o loop cíclico de gente que chegou tarde porque saiu tarde e que faz almoço de duas horas para ir à academia porque pediu pizza na noite passada não faz meu estilo.
Se eu fosse colocar de maneira poética o que eu sinto por pressão, diria que o trabalho de um líder deveria ser de um massagista — com conhecimento, direcionamento e força ele consegue aplicar pressão em um ponto e libertar da dor e dar amplitude de novo aos movimentos. Em outros casos, uma leve pressão é mais do que suficiente para revigorar e fazer relaxar.
Sem fricção não há contato.
Você precisa sim abrir espaço ou tempo o suficiente para as pessoas sentirem que não há um peso esmagador e constante nelas, mas não pode soltar tanto as coisas a ponto de perder uma interlocução recorrente e não traduzir uma sensação de ritmo à operação. O custo disso também é alto — em pouco tempo, você ficará desarticulado com seus pares e chefes. E isso provavelmente desencadeará um período de alta pressão transversalmente na organização.
"Quem não tem cabeça, tem perna."
Parte de deixar as pessoas terem tempo e espaço tem a ver com deixá-las errarem. Por mais angustiante que seja, porque a vivência nos acostuma a ver consequências claras de algumas ações.
Uma vez estávamos fazendo um projeto de um site institucional. Estava supervisionando o trabalho de um time de três designers, e, no intervalo de uma devolutiva do cliente, a equipe ficou em dúvida do que fazer naquele momento.
Minha sugestão veio na ponta da língua, "acho que vocês deveriam montar um grid e uma library para começarem a trabalhar". A equipe debateu e chegou a um consenso — que como era um site institucional, com muitas páginas únicas, não faria sentido ter uma library. O ganho seria, no entendimento deles, marginal.
Fui contra. Falei que discordava. Como era decisão deles — e eles estavam comprometidos com isso — eu os deixei viver.
Quando chegaram os primeiros feedbacks no alto volume de páginas e eu estava revisando as telas com eles, cheguei a uma extensa lista de ajustes. "Não conseguimos alterar tudo porque é muita coisa", me disseram. "Essa é a resposta errada", eu tive que responder, "porque foi uma decisão do grupo não criar essa library. Agora temos que correr atrás do prejuízo". Como diz o adágio, quem não tem cabeça, tem perna.
Esse causo me faz sempre pensar em duas coisas.
A primeira é que, como líder, uma das suas principais tarefas é dialogar com sua equipe e dirigi-los ao lugar mais central, mais estruturante dentro dos projetos. É incrível — no trabalho, em empresas, em cursos que dou — o quanto pessoas informadas, inteligentes e instrumentadas conseguem despender uma energia e um tempo que não retornam conhecimento em tarefas pouco relevantes porque não entendem o quanto e como elas poderiam contribuir com o trabalho.
A segunda é que, também na posição de líder, você deve ter uma plataforma de recuperação para os erros. Em alguns casos — como na inexistência de uma library — a única recuperação é diligência e força de trabalho. E recuperar-se de fato — não reagir a um problema, mas se erguer em aprendizagem — vai depender de um entendimento real do problema ocorrido.
O que quer que você tenha acertado antes talvez não funcione.
Você pode achar que, depois de salvar duas ou três partidas aos quarenta do segundo tempo, que é capaz de sempre sair de qualquer fria. Não se engane — isso é um canto de sereia.
Todo projeto, iniciativa ou empreitada tem características únicas. Você pode ter na manga um ou outro truque, mas esse tipo de resolução pode ser mais tática e nada estratégica. Bom saber, mas não mudarão o jogo.
O que você deve carregar de mais importante é conseguir colocar a cabeça no lugar e aprender a pensar criticamente. Aprender a pensar sobre os mais diversos problemas é a maior habilidade que você terá que desenvolver e a que está em mais franca ascensão.
O que eu quero como líder?
Fiz uma lista de desejos um dia. Se eu fosse enumerar todas as coisas que eu precisaria realizadas para ter todos os dias rodando em alta performance, o que eu escolheria?
É tentador falar do instrumental. Mas a experiência me mostrou que o que facilita e acelera o trabalho da melhor maneira é conversar. Ser capaz de ter uma comunicação clara com os pares e com a equipe.
Se para você funcionam métodos como dailies, weeklies e 1:1s, ótimo. Eu sempre suspeitei de formalidades — acho que ir direto ao ponto tem um valor enorme, e que a recorrência formal tem um jeito de criar um mecanicismo que não me agrada. Uma outra linha de trabalho parece promover uma gestão pelo afeto — parece válida, mas introspectivo que sou não conseguiria ter um time plenamente horizontalizado, demandando atenção e alinhamento constantes.
Sinto que precisamos escavar mais. Chegar ao ponto de sentar lado a lado com as pessoas e saber que aquele é o assunto. Não escapar ao cerne da questão, e olhar a feiúra dos dias de trabalho direto nos olhos.
Só assim, de fato, imagino possível uma liderança. Uma daquelas, inclusive, em que a contribuição individual de cada um seja vista.
O que não falam sobre liderar equipes was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
from UX Collective 🇧🇷 - Medium https://ift.tt/3aXlEP3
via IFTTT
Comentários
Enviar um comentário